Não sei quando perdi o eixo.
A grande história é que ainda existem pequenas coisas que me prendem a esse corpo. Pequenas vidas, curtas. Espaços de tempo que me fazem querer mais - mas diminuem ao longo desse processo.
Quando você sabe de algo, você pode arranjar meios de explicar isso. Eu li em um livro. Eu ouvi de um grande cientista. Eu pesquisei em vários papers. Mas isso não se desenvolve dessa maneira: eu sei. Não porque descobri. Nasci sabendo. Cresci sabendo. Sei porque sei.
Sinto que esse corpo, esse peso, esse aprisionamento que me custa tão caro, é mais temporário que o que o temporário pode durar para maioria das pessoas. Não me diga não. Eu não gosto de explicar. Eu não gosto de me ouvir dizendo palavras de conforto pra quem nunca vai ter conforto com um pensamento tão ébrio pra esse mundo - eu só sei porque sei.
Mas eu ainda digo porque acho que o conforto deve ser um sentimento maravilhoso quando alcança a alma. Fiquem calmos. A vida é tão boa. Amanhã vai ser melhor. Você pode aprender. Fique calma. Não sei: esse sentimento me rodeia a alma como um cachorro desconfiado. O terreno não é bom o suficiente pra se arriscar. Nasce coisa, nasce palavra, nasce sentimento. Mas tudo de mim é expulso, nada é importado.
É tanta bagagem que se acumula, tanta coisa inútil que não dá nem pra começar a se esgueirar por cima do muro. Então tudo fica desconfiado na superfície, e o que vem de dentro escapa desesperado, numa fuga descontrolada, como se fosse pedido de socorro. Pode ser.
Aí me vem quem se arrisca e aí me acorrenta: não faça isso. Não me adicionem mais amarras. A felicidade é minha liberdade, minha liberdade é felicidade. Não espero que entendam todos. Espero só que não se deixem abalar. Nada de perdas trágicas, nada de velas, nada de muitas lágrimas. Não quero ser livre pra chorar pelo choro do outro.
Questionar todos os ensinamentos é tão difícil, mas por um momento, pense só que talvez se libertar não seja retroceder. Talvez a natureza não tenha dado conta, o destino deixou de lado e aí me tornei essa coisa que deveria ser biodegradável e ficou sendo só sendo encostado na parede esperando pra ser degradado mas não foi. O mundo, os deuses que regem todo tipo de fé, quem sabe eles não precisem de uma mãozinha aqui ou aculá?
Talvez não hoje. Nem amanhã. Nem próxima semana. Mas eu sei, por conclusão (muito pouco conclusiva, mas entre tanta interrogação, qualquer exclamação me ganha atenção e tem seu valor) que é, que serei e pronto. Não li em livros. Não pesquisei artigos. Não consultei nenhum cientista. Na alma sem eixo, no fundo do estômago: eu sei porque sei.
Nasci sabendo.
E já não me assusto mais.
Quando eu paro, o mar me invade.
Ouço vindo de você vários silêncios. Esqueceu-me parada no canto como manequim. Me beija e diz que ama. Me passa a mão nos cabelos. Fica ao meu lado e faz-se manequim também. Isso é amar.
Isso é amar? E as flores, os cartões, as surpresas, as fotografias e todo aquele nervosismo?
E o medo de perder?
E se declarar por ter medo de perder?
Permaneço manequim porque quem ama só aceita. Quem imagina um dia contestar qualquer coisa que te traga felicidade? Faço e pronto. Manequim e pronto.
E você? E o que me faz feliz?
Mil e mil e mil justas justificativas, grandes, espertas, plausíveis, corretas.
Mas quem ama?
Manequim não chora. Por isso me desfaço, em choro também.
Você tem medo de perder agora que eu posso andar?
E se eu for? Você vem comigo? Você aprende a ceder?
Você corre, me captura? Todas as loucuras, você faz?
Você vai aprender a me falar?
Você vira manequim quando eu quiser também?
É de lágrima que eu faço o mar pra navegar.

 é agora viu é agora você vai ter que escolher e dar esse passo gigantesco que é o futuro se afunilando e abrindo ao mesmo tempo mas o mal e...