Todas as coisas que ele me dizia ficaram flutuando na minha mente e nunca encontraram par em resposta nenhuma. O parafuso se afunda com força contra a carne e agora eu estou cheia de quadros e placas de indicação penduradas por todo o corpo, de todos os tamanhos e pesos. A carne cede como o reboco de um buraco grande demais para um quadro pesado, esfarelando a tinta ao redor. Alguns dizem que a culpa de tudo isso é sua (eu digo a mim mesma) e, como as outras perguntas que eu já havia levantado, juntamente às respostas que ele havia me dito, não encontram seu par. Mais informações, agora infiltradas pelos cantos da casa e pela janela. Um monte de informações se depositam no chão como poeira, e quando é de manhã bem cedo e o sol passa pela janela, batendo só uma listrinha por cima do nosso olho, entre as cortinas, é possível ver tudo flutuando. e caindo.

o meu maior sonho, desde de um tempo para cá, era deixar de ser. é besteira querer virar algo que não existe ou ir embora sem partir, mas é um sonho importante e tão irrealizável quanto os outros que coleciono em formato de poeira. Mas hoje ser um conceito ou uma informação não parece ser muito bom, porque as coisas que são as coisas que dizem que são - como palavras - ainda vivem muito tempo sendo o que são e eu queria logo entrar em desuso, como um toca-cd. até a tecnologia mais ultrapassada teve seu propósito e auge e eu não quero ter propósito nem auge. Nem quero me amontoar na minha própria casa ou ter que flutuar e se depositar em alguma superfície.

eu ainda não consigo entender sobre mim mesma como ele me propôs. confrontar a possibilidade ou, pior até, a realidade de ser seu próprio mal é muito doloroso. Vendo desse ângulo, preferia perdoar qualquer pessoa ou todas as pessoas, uma a uma ou todas de uma vez só, do que perdoar a mim mesma. se eu me firo desse jeito desde sei-lá-sabe-quando então sabe-sei-lá-quando tentarei parar e interromper o ciclo ciclo ciclo de vícios e atuações viciadas e esfaqueamentos arranhamentos autoódio e vontade de des-existir. as coisas são o que são até não serem mais.

e um dia eu vou ter que acordar e me parar. olhar pra mim mesma com um cuidado de assassino calculista e segurar minha própria mão e tudo só dependerá de mim e de minha própria reação (que ainda desconheço). e caberá só a mim a responsabilidade de tudo o que eu me tornarei, e os méritos (que eu não desejo) serão também todos meus. e todas essas ações se depositarão nas minhas costas igual a poeira que eu queria ser mas são todos os meus sonhos e eu terei que desenvolver uma sequencia lógica de palavras pra descrevê-las, num artigo de um blog que ninguém lê. 

mas eu li. eu me leio o tempo todo e é tão cansativo.

Como uma tecnologia muito avançada, eu silenciei. Esqueci que para ter novas palavras preciso gastar todas as antigas, ou paro. Preciso ler ...