meu orgulho está no pronto-socorro do hospital público

Você escreveu em caixa alta
pra ficar bem claro o que dizia
e eu respondia que era mentira
que não podia ser, que a vida não é assim
que tem sempre uma casca de banana
escorregando pra debaixo do pé
pra fazer a gente valsar no ar
até cair

E eu não tinha razão? 

Não.
Eu nunca tive razão.

2.625 anos-luz

eu te falei
corre lá que a vida dá certo pra quem corre lá
depois sorri
dei um beijo como quem encoraja
e segurei a mão como quem nada quer
(mas eu tudo queria)
depois chorei
como quem chora de alegria
mas por dentro guarda um deserto de tristeza
e finge ser baiana fingida
que mostra os dentes brancos 
só pra sair bonita na fantasia
desfilando brilho em carnaval.

(mas sozinha, apaga
e o carnaval, acaba
e o sorriso, apaga
e a vida, acaba
vazia)
Eu queria escrever "amor"
meu corretor ortográfico disse
amorim amargos amos amaldiçoados
larga de mão corretor
a gente só sabe do bom do amor quando não lê Clarice
e nem sequer ouviu escutar do Caio
mesmo quando eles certos, que já falaram
"só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil"
ou algum outro trecho variado.

14 dezes sem a mínima vontade de serem bonitos, só repetidos

você nota 10
pintou meu rosto com 10 cores
me deu 10 amores
inventou 10 sabores
fugiu
voltou em 10 piscares
me prometeu 10 mares
e construiu 10 lares
imaginários
me abrigou em 10 abraços
e criou 10 laços
pra me prender por 10 semanas
ou 10 anos
ou 10 infinitos
mas que fossem 10
pra sermos sempre 10
como a décima nota do meu caderninho
que só fala de nós dois.

Sendo ou Não Sendo Judy Funnie

Quando eu era criança
Entrava aos pulinhos no banho
Prá curar dor da água gelada
Quando eu virei adulta
Entrava aos pouquinhos no banho
Prá dor penetrar na pele
E curar a outra dor de quem já não sabia
o que era ser alguém.

(além de ser ninguém)
 
Quando a noite fria me abraçou de conchinha, roubando seu lugar, eu fiquei furiosa. Como podia essa malandra se aventurar tão fria e tão vazia pela minha cama, quando alguém tão mais carnal havia estado ali? Duvidei de sua esperteza - sabe-se, como já deve ter dito algum velho ditado popular, que nada pode substituir um abraço de quem ama em quem se é amado, na cama. E mesmo com toda minha ira, ela não se deixou abalar; ficou lá, ficando e beijando meu pescoço, tentando me mostrar que seu acalanto poderia ser bom - mas não foi. Nunca é. Toda lua no céu, a noite se esgueira pra debaixo das minhas cobertas vazias e me conta uma cantada ao pé do ouvido. "Não rola, noite". É preciso ter o tom certo de voz pra conquistar o coração (e desse tom, eu ouço todo dia, no calor de braços tão mais vivos que o seu, que o céu...)

Como uma tecnologia muito avançada, eu silenciei. Esqueci que para ter novas palavras preciso gastar todas as antigas, ou paro. Preciso ler ...