Queria justificar um pouco da minha falta de elegância.
Esqueci-me há muito de como é viver só. Um dia andando pela rua, tropecei em alguém e caí de cara no chão. Nesse meio tempo, espaço entre o meu rosto e o asfalto quente, mil coisas me passaram pela cabeça. Que eu não podia encontrar pessoas desse tipo, que me derrubam, na rua, desprevenida. Que eu não podia compactuar com os acasos e acreditar que aquilo era plenamente normal. Que eu podia compactuar, sim. Que a vida é engraçada e o tombo de início parece viagem louca e diferente, mas é dor pura e machuca mais do que se imagina depois que o corte se abre na carne quente de ansiedade. E quando já no chão, pensei em tantas coisas que já nem podia me ver só sem ter ninguém pra me derrubar. Não qualquer alguém, mas justo alguém que me derrubou. Cair tornou-se, então, o fato mais extraordinário da minha vida.
Foi justamente quando perdi toda a elegância que sustentava o meu queixo no alto, minha pose de loba solitária solta pronta pra pular sobre qualquer obstáculo com destreza incrível e inacreditável.
Foi aí que eu me perdi.
Acabou-se mundo quando deitei-me no chão. Acabou minha vida. Vergonha de que, logo eu, eu tão distante do mundo e de possibilidade de ser tocada justamente nos lugares certos, fui tocada no lugar certo. Logo eu, chutada nos joelhos.
Demorei pra levantar.
Fui parar no hospital. Disseram "dois ossos quebrados".
Mas como é diferente essa vida que existe na minha alma e na dos outros, que regenera sem qualidade ou rapidez, mas regenera. E regenerei. Saí do coma, da cama, me convenci de que eu não estava só, mas que qualquer pessoa podia me derrubar. Qualquer um agora era sábio o suficiente para saber que eu era a menina dos joelhos fracos.
Todo contato que se fez, a partir de então, tornou-se ameaçador.
Aconteceu que o último suposto monstro que me apareceu não era monstro. Era um amor.
Sabia do meu ponto fraco mas não ousou chutá-lo. Mesmo assim, permaneci distante. Alojou-se, com permissão, entre meu ventre e os meus braços. Me mostrou seus pontos, pequenos sinais que juntos formavam constelações já descobertas antes, mas não em corpos humanos como o que eu tinha a possibilidade de ver. Julguei-o celestial.
Aqui, digo: esse foi o fim total da minha elegância.
Justifica-se aqui, para quem conhece minha situação atual, tudo. Aconteceu que um dia esparramei-me no chão e nos pés que nem geleca de criança na mão do tal senhor constelação. Isso tornou-me tão deselegante quanto quando tombada, hospitalizada e fraturada. Mas isso não retira toda minha vivacidade e cor, nem maciez ou vontade própria. Sou uma geleca autônoma. Sem classe, mas autônoma.
E apaixonada.
Obrigada.

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