Não sei como é que vai acontecer.
Tem dia que o sol brilha forte e queima a nuca como se fosse um castigo. Tem dia que o sol se esconde nas cobertas e acabou-se.
Mas tem dia que o sol faz média. Brilha na hora do almoço mas logo se recolhe, como quem já se cansou. Como quem diz "eu não aguento mais brilhar pra vocês".
Quando eu era criança nada me abalava. Eu ia e pronto. Ia com gente que eu nem conhecia, ia rindo e o que ficasse pra trás, mãe, pai ou polly, ficou. Brilhava forte para os outros como se fosse um castigo, com um riso maldito de criança que se deixa ir, que não tem amarra, que não dá pra chantagear.
Quando eu era adolescente, eu me escondia debaixo das cobertas. Descobri em mim várias caixas de Pandora. Sentimentos que me transbordaram até o fundo do estômago e eu nem sabia pra onde ir (mas mesmo assim, continuei indo). Nunca vomitei. Mesmo cheia o bastante pra explodir, eu nunca vomitei.
Agora eu faço a média. Talvez a faça porque sei que falta pouco, tão pouco, que esse sentimento me trança os cabelos como uma mãe carinhosa, calmamente, zelando. O sol brilha pra mim tão alto e tão quente como quem me lembra do que tenho que fazer. Recolhe-se rapidamente lembrando de como é. Como se cada palavra fosse uma palavra de adeus.
Não sei como é que vai acontecer.
Talvez seja amanhã. Ou depois.
Talvez seja o medo me castigando de dentro pra fora.
Não quero magoar ninguém. Mas por um momento, pense só que talvez se libertar não seja retroceder. 
Toda vez que eu desço ao fundo do poço, algumas pragas grudam em mim como sanguessugas. Eu me vejo doente, como antes, a mesma doença de sempre, com os mesmos sintomas. Como se o meu corpo não produzisse anticorpos psicológicos. Vejo que aos 20 cometo os erros dos 15 e me guardo, feito tatu bola, em mim mesma. Esperando que passe. Esperando que eu mude. Esperando para que eu possa subir e me abrir novamente.
Esses tempos são tão cansativos que por um fio, um milésimo de segundo, essas pragas não me levam à óbito. Meu corpo perece como uma fruta podre e dessa fruta retorna - mas não como um renascer. Eu não renovo. O corpo continua podre e tenta rejuvenescer, como em um milagre de volta ao tempo, mas não consegue. Sobrevive. Sempre sobrevida.
As idas ao centro da terra mantém um padrão de tempo: seis em seis meses, talvez. Uma aventura para me abalar as estruturas. Quando de volta à vida vejo o real perigo, porém no cesto torno-me cega e surda. A analogia usada poderia ser até outra: afundada no mar. Calmo. Sereno. Escuro, vazio, quieto, amplo. Há tantas características que podem ser atribuídas às minhas tristezas que dariam um dicionário. Ainda assim, existe uma que se sobressai, ressalta por seu caráter sinestésico: minha tristeza é azul. Tão azul que posso senti-la na ponta da minha língua,  no fundo dos meus olhos ou se espalhando na superfície da minha cabeça, como um manto. Uma armadilha. Uma jaula. É sempre um desafio desvencilhar-me dela, sempre aumentando o nível de dificuldade. E daqui mesmo, do início (ou mais) posso ver que o futuro segue nessa linha reta até o ponto onde o mundo se torna oco e acaba. Não é tão longe.

Como uma tecnologia muito avançada, eu silenciei. Esqueci que para ter novas palavras preciso gastar todas as antigas, ou paro. Preciso ler ...