tudo tem essa cor morna quando o dia passa debaixo d'água.

gosto de chá agora. gosto porque sinto o mundo dentro de mim e o afogamento passa desapercebido quando a água quente enche o peito. o gelo me tortura.

olho pras páginas anteriores e penso como é bonito o sentir da juventude e como todo o barulho torna-se (rápida e inesperadamente) o silencio mais denso e jamais imaginado. havia uma grande latência no sentir, o sentimento que podia se alojar todo no fundo da garganta e formigar pela pele. tudo era tato. tudo.

e como tudo isso se torna vago na adultização. e como os neologismos se tornam tolos. e tudo que ultrapassa da fala pro corpo é cansativo demais pra ser realizado. e todo o mundo cabe numa xícara antes de sair, entre os intervalos de uma admissão assalariada sufocante, e no grande final exaustivo do dia. e os finais são sempre muito mais ansiados que os inícios.

termina-se tudo com um grande suspiro. antes, iniciava-se. o suspiro era uma fantasia. o suspiro é, agora, um intervalo respiratório um pouco mais extenso que o aceitável e cabível pela diretoria. uma pausa forçada. um socorro assobiado.

tudo tem essa cor morna quando o dia passa debaixo d'água e todos os dias são afogamentos silenciosos do corpo e de tudo o que tem dentro, até o ultimo espaço onde a alma habita. por dinheiro. 

e nós nunca, nunca, nunca, nunca, nunca, seremos plenamente deixados em paz.


 Eu tenho uma nota no meu bloco que a primeira nota é cuidar de você.

Hoje eu vi uma lembrança na rede social, de mim, reclamando pra outro alguém, como você me irritava às 6 da manhã. Hoje encontrei as fotos e outros detalhes que enchiam todo minuto do meu passado que se entrelaçavam na sua existência.
A morte é um abismo.
A vida seguia como uma estrada larga e depois afinando, afinando, afinando... Quando eu pensava que acabaria, acabou. E esse fim, mesmo quando já se sabia ali na frente, quando se via a beira do abismo, ainda arrasa.
É silencioso. O que continuou, depois de você, não foi uma vida. Parece uma coletânea de dias soltos, seguidos e sem conexão. Daqui quatro anos, vou entrar na rede social e ser lembrada de como eu parei e caí e silenciei e tentei grudar todos os dias pensando que é assim que se segue.
Daqui quatro anos vou ver a nota que me lembrava de cuidar de você, e as fotos, e as flores que plantei em cima do que sobrou. Vou ter você no braço esquerdo, na parte de dentro - impensadamente, também perto do coração.
Vou ter você no coração, também.
Abriria mão de tudo pra seguir sem abismo.

Como uma tecnologia muito avançada, eu silenciei. Esqueci que para ter novas palavras preciso gastar todas as antigas, ou paro. Preciso ler ...