Hoje fiquei na porta te vendo ir embora e esperando você sumir de vista. Você não viu, mas dentro de mim tava um vazio, um grito ecoando de desespero. Não entendi, mas eu gritava por todo aquele silêncio - nenhum barulho na rua, nem dos seus passos, nem do portão fechando, nada. Fiquei presa, mas dessa vez não em uma prova de amor, mas em um precipício do egoísmo - eu queria ali, agora, mas não podia ter. Você estava bem, imaginava, porque ainda podia ouvir o barulho dos seus passos ao ir embora, se acompanhar para algum lugar, todo lugar..
Nós já temos um passado pra se lamentar, meu bem. Vivemos o bastante pra aprender
com o erro do outro, a tristeza do outro, com o outro. Pouco tempo não foi - você
sabe como essa medida de tempo humana é falha, mas a nossa, extraterrena, é mais clara
e mais precisa: mede por intensidade do sentir. Senti tanto, sinto tanto, sinto muito
com você, por nós. Somos frutos de um caso estranho que deu certo sem querer - como diria Chaves, mas querendo. E nessas reviravoltas chegamos aqui no presente, onde nós sempre avistávamos de longe, e você falava baixinho no pé do meu ouvido "tá vendo ali no sempre? é onde vou ficar" só pra acalmar a minha agonia de qualquer dia desses assim, no cotidiano da tristeza, eu te perder. Mas não perdi. E se acontecer, vou deixar de existir também, meu bem. Não sei se você sabe, contei? Mas é que sozinha eu não funciono. Fica aqui, mais cinco minutos, cinco anos, ou cinco sempres.
Daqui de onde eu tô, só consigo ver o céu. Nada de pontas de árvores ou pontas de postes, só aquele azul que tranquiliza e aquece a alma. Desperta uma inveja que mal consigo controlar; quem me dera ser assim, tão quieto e tão bonito, de uma imensidão que quase assusta, mas salva tanto olhares quanto almas. Queria eu estar lá, quem sabe, só pra poder tocar num pedacinho daquela nuvem, ou andar um pouquinho que nem aquele pássaro ali, amarelo, que não vem aqui me contar segredo nenhum. Só quem vem me contar segredos é o vento, mas só faz isso pra machucar. Quase perdi a conta de quantas vezes ele ja sussurrou em meu ouvido: nunca, menina, vai aprender ser assim tão azul.
Não sabia escrever poema, mas mesmo assim teimava. Fingia que era verdade, na forminha, mas sem rima, só pra contar texto cantado. Gostava assim de cantar. E criticavam, falavam da maneira errada, que ofendia até quem sabia escrever o poema certo. Padrões cultos de um poema. Entristecia, queria cantar sentimento, mas não deixavam. Daí esqueceu dessa vida e foi mendigar emprego.
Hoje já não sabe nem prosa nem poesia,
só sabe da forma culta de viver igual a todo mundo.
Hoje já não sabe nem prosa nem poesia,
só sabe da forma culta de viver igual a todo mundo.
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